Por aqui a tradição ainda é o que era… e nada melhor do que falar de tradição quando falamos dos avós e da cozinha dos avós. Das avós, sobretudo. Os homens que me perdoem, mas as mulheres aqui sempre tiveram o papel mais primordial. Salvo raríssimas excepções.

Muitos lembram-se que no ano passado lancei o passatempo do Dia dos Avós para escolher a receita que mais representava essa figura que foi ou é tão importante para tantos de nós.

Foi difícil porque cada receita tinha uma história especial para contar. Acabei por eleger o Pudim de Laranja Descansado pelas razões que podem ler no texto da receita.

Agora, um ano depois, o Dia Mundial dos Avós aproxima-se – é já no próximo Domingo, dia 26 de Julho – e não tive dúvidas em voltar às receitas que me enviaram e escolher uma para assinalar a data.

Parei nesta.

Ao contrário da maioria das receitas de leite-creme que conheço, esta não poupa nos ovos. É assim que tem de ser para se conseguir a verdadeira textura do leite-creme, utilizando pouca farinha maisena e pouco açúcar.

Pelo caminho reli a mensagem que a neta Inês escreveu na altura:

“Somos uma família desde sempre ligada à agricultura. Esta receita é da minha querida avó Maria Pereira Rosa que neste momento se encontra com um cancro ao qual não pode receber quimioterapia devido a problemas cardíacos… Portanto mesmo que esta receita não seja publicada será sempre uma maneira de a homenagear e de a partilhar consigo e com os administradores da sua página.”

Agora, ao contactar a Inês, para lhe dizer que iria partilhar a sua receita, ia, como imaginam, de coração apertado. Como estaria a avó Maria?

Felizmente as notícias que recebi de volta tranquilizaram-me.

A Inês disse-me que a luta da avó Maria contra o cancro da mama continua mas, com o carinho e amor que a rodeiam, tem a convicção de que esta virá a ser uma fase superada.

A avó Maria, ou melhor, Maria Pereira Rosa, nasceu nas Caldas da Rainha a 22 de julho de 1936. Fez ontem 84 anos.

Foi criada pela tia e acabou por ir viver para Vale de Ílhavo, em Aveiro, onde constituiu família. O seu sustento esteve sempre ligado à agricultura e ao que ela dava.

Diz a Inês:

“A comida de conforto e a cozinha tradicional portuguesa estava sempre presente e [a avó Maria] foi incutindo esse gosto e tradições às suas netas.
E por isso é hoje homenageada pela neta Inês Resende, que além dos passeios que ambas faziam juntas, das brincadeiras, carinhos e mimos… leva uma herança gastronómica que gostaria de imortalizar!
Entre tantas receitas a mais especial é o leite-creme. Não só por ser feito com leite puro de vaca da exploração da família, mas também porque era um doce sempre presente nas celebrações lá de casa.”

Fico muito feliz por estar aqui hoje a partilhar convosco esta receita incrível que utiliza os ingredientes em abundância das famílias com estas explorações agrícolas, onde havia leite acabado de mugir das vacas ou ovos das galinhas caseiras.

Ponto inegociável é a quantidade de ovos. Se forem caseiros melhor porque têm uma gema com mais cor. Não fiquem a olhar para as receitas que dizem para usar apenas 6 gemas. Não! Aqui são 12 e é por isso que este leite-creme é muito melhor.

As claras podem servir para outras receitas como suspiros, um molotof, uma pavlova… até omeletas de claras. Se não quiserem usar logo, podem congelá-las e usar noutra altura.

O leite-creme é feito no tacho, sempre mexendo para não criar grumos…

… e num instante já está nas tacinhas. Leiam a receita com atenção sobre o momento exacto para o retirar do lume.

Depois é só deixar arrefecer, polvilhar com açúcar e queimar com um ferro tradicional ou com um maçarico a gás, como este.

Não queimem o açúcar a não ser mesmo na hora de servir, porque o vidrado de caramelo amolece e liquidifica passadas umas horas. Este vidrado tem de estar a estalar quando chega à mesa  🙂 E se tiverem um maçarico é um instante enquanto isto se faz.

É assim o leite-creme tradicional, o nosso leite-creme, português de Portugal, tão simples e tão bom, que nada tem que ver com outros que conhecemos, como o Crème Brûlée ou a Crema Catalana. Querem conhecer as diferenças entre eles? Então espreitem a receita do Crème Brûlée de Tangerina onde explico tudo.

E para terminar, resta-me agradecer de coração à Inês e à avó Maria. Fantásticas e lindas nesta fotografia que a Inês me enviou ontem, o dia de aniversário da avó Maria, em que estiveram juntas para celebrar mais um ano de vida.

Um grande beijo para ambas e que possam desfrutar do amor que as une por muitos e longos anos.

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ACTUALIZAÇÃO

Infelizmente chegou-me hoje – 19 de novembro de 2020 – a notícia de que a avó Maria partiu na passada 2ª feira. No mesmo dia da minha mãe, mas 20 anos depois.

A querida Inês deixou-me esta mensagem, cujo agradecimento estendo a todos os que seguem o site e acarinharam esta receita:

É com tristeza que vos digo que a avó Maria partiu esta segunda-feira.
Agradeço imenso o que fizeram por mim, e principalmente obrigada por a tornarem inesquecível na cozinha dos portugueses.
Um grande bem haja e um beijinho.
Muito muito obrigada!

Inês.
Acredite que ela amou e foi amada, apesar de todos os sacrifícios, e que para si foi um privilégio tê-la consigo estes anos.
Sei que o Amor e a proximidade que tinha com ela irão mantê-la sempre presente no seu coração.
Deixou o seu legado. De trabalho. Entrega. Amor. Sacrifício claro. Mas nunca perdeu o sorriso.
Que bom tê-la homenageado como homenageámos em vida.
O seu leite-creme perdurará também com a gratidão de todos os que, mesmo não a conhecendo, percebem o que representa.
Seja forte.
Sorria.
Para que onde quer que ela esteja a veja sempre a sorrir.
Beijinho grande!
Clara